quinta-feira, 29 de novembro de 2012

COCEIRA NO OUVIDO



Pressentia quando a coisa começava a se manifestar. Coceira no corpo provocada pelo crescimento repentino dos pelos, o olfato aguçado, visão meio embaçada e excesso de saliva, até babava. Enquanto se mantinha consciente sentia-se apavorado, suado, tremia e optava pela solução de sempre: correr para mata.

A lua cheia, parceira fiel, cedia uma luz esmaecida sobre o seu corpo, ele agradecia com habituais uivos. Em seguida, perambulava pela vila, podo em fuga quem se atrevia a andar nas ruas nessas horas. Só uma pessoa o compreendia, seu sobrinho Beto da Globo.

Beto atirava ao longe um chinelo para que fosse buscá-lo e trazer de volta preso aos dentes. Depois, jogava um graveto e ele repetia a proeza com os olhos brilhantes e os caninos à mostra.

Passados esses momentos, retomada à lucidez, era o sobrinho que o acolhia ao mundo dos racionais.

E aí, cometi alguma doidiça?

Muito não. Botasse pra correr o filho do padeiro, que passava numa bicicleta, e desse um susto grande em duas raparigas que rodavam a bolsinha no posto de gasolina.

Ainda bem.
Mas teve uma novidade.
E o que foi?
Uma das vezes que joguei o chinelo pra você ir buscar, ouvi uns soluços e seu vômito sujou a reata, a sola e a palmilha.
Que merda. Mas agora já sei.
Sabe o quê?
Não como mais angu e buchada em noite de lua cheia.

(Um conto de Paulo Caldas)

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