sexta-feira, 28 de maio de 2010

SEVERINO DE SOUZA FERRAZ: UM SONETISTA BISSEXTO


Poucos sabiam ou conheciam o seu lado intelectual. Mas, além de policial e político, Severino de Souza Ferraz era um poeta, boêmio e mulherengo. (Que me perdoe dona Dja).

Foi discípulo de Rogaciano Leite, poeta, cantador repentista, jornalista e advogado, que por aqui esteve, na década de 1940, em noitadas boêmias e ensinou Severino a metrificar versos.

Depois, o centro cultural da velha guarda de Caruaru estabeleceu-se na Pharmácia Francesa, do “major” Sinval. O velho Sinval geralmente dava os motes e os poetas traziam seus versos, que eram analizados e julgados por uma comissão de poetas/freqüentadores do ambiente. Os temas eram os mais diversos e, geralmente, de assuntos atuais e de interesse público. De uma discussão filosófica/religiosa, o “major” Sinval tirou este mote:

“Eu adoro ao Deus que fez o homem
Não adoro ao Deus que o homem faz”


E Ferraz assim o desenvolveu, versejando:

“Pouco importa que por atéu me tomem
Ou que me chamem de irreverente
O fato é que eu declaro consciente:
Eu adoro ao Deus que fez o homem

São idéias que os séculos não consomem
São coisas que o tempo não desfaz
Não quero que me tenham como audaz
E nem desejo que sigam meu exemplo
Pois, embora se encontre em qualquer templo
Não adoro ao Deus que o homem faz


Depois do golpe fascista de 1964, o “major” Sinval apresentou este mote aos poetas/freqüentadores:

“Quem desmontou o Brasil
Fez dele um quebra-cabeça


E Ferraz, que tinha sido vítima dos golpistas, assim o desenrolou:

“Merece canga e canzil
E ser furado a ferrão
Por não merecer perdão
Quem desmontou o Brasil

Convém ser morto a fuzil
Pra que jamais apareça
É bom que ninguém esqueça
Esse sujeito infeliz
Que desmontando um país
Fez dele um quebra-cabeça


Esses versos foram escolhidos por todos os
versejadores presentes à Pharmácia Francesa – como os
melhores apresentados, sobre o tema. Depois, Severino
de Souza Ferraz, em estado melancólico que só os poetas
conseguem apreender, assim filosofou:

“Tudo passa, na vida tudo passa
Mas, nem tudo que passa a gente esquece”


“A exemplo do vento e da fumaça
No seu passar indiferentemente
Passa até o amor, por mais ardente
Tudo passa, na vida tudo passa

E por mais sacrifício que se faça
Tudo passa, sucumbe, desvanece,
É comum, entre nós sempre acontece,
Não se pode evitar o sofrimento
Pode tudo passar num só momento
Mas, nem tudo que passa a gente esquece


Estávamos na praia de Maria Farinha/Paulista: eu,
Ferraz e Eros – advogado e professor da Universidade
Católica de Pernambuco, conversando sobre a
violência e a impunidade, quando me ocorreu a idéia de
dar um mote para Ferraz glosar:

“Sendo cega a espada do Direito
A moral do juiz é a gravata”.


E ele assim o fez:

“Por hábito mantenho o meu conceito
Porque sinto que a tese se situa,
Pois, é certo que ainda continua
Sendo cega a espada do Direito.

E por isto me vejo contrafeito
Nesta luta que vem de longa data,
Contra aquele que prende, surra e mata,
Sem que sofra nenhuma penitência,
Num país onde reina a violência
A moral do juiz é a gravata”.

Assim pensava Severino de Souza Ferraz,
meu pai, de quem me orgulho muito.

*Texto de Ruckhert Lins Ferraz(em memória), na Revista Caruaru Hoje, ano 2, nº12/2002
*Escrito pelo meu pai sobre meu avô.

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